Você lerá algumas partes de um documento de muita importância
para a nossa história: são fragmentos da Carta de Pero Vaz de Caminha. Esse
documento foi o primeiro registro
escrito a respeito das impressões que os portugueses tiveram da
população nativa e do território americano.
Senhor,
Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros
capitães escreveram a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra
nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso
minha conta a Vossa Alteza. [...]
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de
bons rostos e bons narizes, benfeitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem
fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de
mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço
debaixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão
travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador.
Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço
e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de
sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.
Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de
tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por
cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na
parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do
comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o touriço e as
orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda
como, de maneira tal, que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual,
não fazia míngua mais lavagem para a levantar. [...]
Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a
sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem
crença alguma, segundo as aparências. [...]
Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra,
ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do
homem. E não comem senão deste inhame, de que há muito, e dessas semente e
frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos
e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.
Nesse dia, enquanto ali andavam, dançaram e bailaram sempre
com os nossos, ao som de um tamboril nosso, como se fossem mais amigos nossos
do que nós seus. [...]
Até agora não pudemos saber se há ouro ou prta nela, ou
coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons
ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo
d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal
maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa
das águas que tem! Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que
será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em
ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta
pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para
se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber,
acrescentamento da nossa fé!
E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta
Vossa terra vi.[...]
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje,
sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
Pero Vaz de
Caminha.
Fonte: caderno
do aluno ensino fundamental 6ª série/7º ano – volume 3 – ciências humanas e
suas tecnologias- História.
Nenhum comentário:
Postar um comentário